segunda-feira, 7 de outubro de 2013



As mudanças de entendimento do STJ em matéria de Direito Previdenciário

Atualmente, vive-se uma fase complicada referente às decisões no âmbito do direito previdenciário em vista da mudança de turma julgadora do STJ da matéria para a 1ª, pois as decisões outrora em um determinado sentido vêm sendo modificadas e outras que se aguardavam julgamento vieram, mas em total dissonância com a proteção social que deve ser dada aos segurados no direito social que é o previdenciário.
Uma delas foi à do ruído em que o STJ em março deste ano decidiu da seguinte forma: para comprovação de atividade especial o segurado deve estar exposto ao nível de ruído acima de 90 dB de 05/03/1997 até 18/11/2003 na vigência do Decreto nº 2172/97, sendo que após esta data admitiu-se a diminuição do nível de ruído para enquadramento para acima de 85 dB. Outrora, antes desta decisão inusitada e inesperada do STJ havia precedentes de uniformização no âmbito do Juizado Especial Federal que entendia que mesmo na vigência do Decreto acima mencionado poderia ser considerado o ruído acima de 85 dC para atividade especial, por ser mais benéfico ao segurado, conforme súmula 32 com a seguinte redação: “O tempo de trabalho laborado com exposição a ruído é considerado especial, para fins de conversão em comum, nos seguintes níveis: superior a 80 decibéis, na vigência do Decreto n. 53.831/64 e, a contar de 5 de março de 1997, superior a 85 decibéis, por força da edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, quando a administração pública que reconheceu e declarou a nocividade à saúde de tal índice de ruído”(Precedentes: PEDILEF 200832007034908 e PEDILEF 200461840752319).
Para melhor elucidar a questão debatida encontra-se abaixo a íntegra da ementa da decisão citada:
PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ÍNDICE MÍNIMO DE RUÍDO A SER CONSIDERADO PARA FINS DE CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. APLICAÇÃO RETROATIVA DO ÍNDICE SUPERIOR A 85 DECIBÉIS PREVISTO NO DECRETO N. 4.882⁄2003. IMPOSSIBILIDADE. TEMPUS REGIT ACTUM. INCIDÊNCIA DO ÍNDICE SUPERIOR A 90 DECIBÉIS NA VIGÊNCIA DO DECRETO N. 2.172⁄97. ENTENDIMENTO DA TNU EM DESCOMPASSO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR.
1. Incidente de uniformização de jurisprudência interposto pelo INSS contra acórdão da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais que fez incidir ao caso o novo texto do enunciado n. 32⁄TNU: O tempo de trabalho laborado com exposição a ruído é considerado especial, para fins de conversão em comum, nos seguintes níveis: superior a 80 decibéis, na vigência do Decreto n. 53.831⁄64 e, a contar de 5 de março de 1997, superior a 85 decibéis, por força da edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, quando a Administração Pública reconheceu e declarou a nocividade à saúde de tal índice de ruído.
2. A contagem do tempo de trabalho de forma mais favorável àquele que esteve submetido a condições prejudiciais à saúde deve obedecer a lei vigente na época em que o trabalhador esteve exposto ao agente nocivo, no caso ruído. Assim, na vigência do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, o nível de ruído a caracterizar o direito à contagem do tempo de trabalho como especial deve ser superior a 90 decibéis, só sendo admitida a redução para 85 decibéis após a entrada em vigor do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003. Precedentes: AgRg nos EREsp 1157707⁄RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 29⁄05⁄2013; AgRg no REsp 1326237⁄SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 13⁄05⁄2013; REsp 1365898⁄RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 17⁄04⁄2013; AgRg no REsp 1263023⁄SC, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 24⁄05⁄2012; e AgRg no REsp 1146243⁄RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 12⁄03⁄2012.
3. Incidente de uniformização provido.
A decisão do STJ está em total discordância com a proteção do trabalhador buscada pelo direito social, uma vez que em tempos antigos o maquinário era mais obsoleto e trazia mais riscos de exposição a ruídos a um índice maior do que nos tempos mais atuais em que há maior proteção e tecnologia, todavia como o Decreto nº 53.831/64 anterior ao nº 2172/97 poderia estabelecer um nível inferior de ruído a este, uma vez que a exposição pelas razões já apontadas deve ter sido superior.
Além disso, a NR nº 15 em seu Anexo I já reconhecia que a exposição diária, isto é por oito horas, deveria ser de 85dC, sendo que no mesmo anexo traz que para ruídos de 90dC o trabalhador só pode ficar exposto por apenas 4 horas, o que é muito raro já que o turno de trabalho em geral são de 8 hs diárias, como estipula a Constituição e as leis do trabalho.
O STJ em sua decisão considerou tão somente o aspecto legal dos Decretos, do tempus regit actus, deixando de observar o que é mais importante no caso que é a saúde do trabalhador exposto a agentes nocivos a saúde, bem como os outros tantos princípios protetivos do direito previdenciário e social. Cabe dizer que o ruído é um dos grandes causadores do percebimento do auxílio acidente, já que muitos trabalhadores e segurados que laboraram em grandes indústrias na quase totalidade de sua vida laborativa sofrem com a perda auditiva.
A decisão acima está em total descompasso com o resguardo dos direitos sociais perante aos princípios do Direito Previdenciário, que deve ser enfrentado à luz da Constituição e não ficar engessado pela aplicação pura da lei, que é mais prejudicial ao segurado.
No mesmo sentido, cabe apresentar outra decisão que elucida claramente as decisões divergentes do STJ ao sistema previdenciário como a acima tratada. Decisão esta referente à devolução de valores recebidos a título de benefícios em tutela antecipatória, a qual se transcreve abaixo:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS.
1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da Previdência Social devolver valores de benefício previdenciário recebidos por força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada.
2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada.
3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações Rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp 728.728⁄RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 9.5.2005.
4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu.
5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a "legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio" (AgRg no REsp 1.263.480⁄CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011, grifei). Na mesma linha quanto à imposição de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp 40.007⁄SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.4.2012; EDcl nos EDcl no REsp 1.241.909⁄SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 15.9.2011; AgRg no REsp 1.332.763⁄CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.8.2012; AgRg no REsp 639.544⁄PR, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargador Convocada do TJ⁄PE), Sexta Turma, DJe 29.4.2013; AgRg no REsp 1.177.349⁄ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 1º.8.2012; AgRg no RMS 23.746⁄SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.3.2011.
6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, em situação na qual se debateu a devolução de valores pagos por erro administrativo: "quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público." (REsp 1.244.182⁄PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012, grifei).
7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) preenchem o requisito da boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária.
8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, inviável falar na percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio.
9. Segundo o art. 3º da LINDB, "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece", o que induz à premissa de que o caráter precário das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do CPC).
10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder Judiciário desautorizar a reposição do principal ao Erário em situações como a dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e consigne descontos em folha pagando, além do principal, juros remuneratórios a instituições financeiras.
11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e considerando o dever do segurado de devolver os valores obtidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213⁄1991.
12. Recurso Especial provido."
Esta decisão trazida à colação acima é extremamente perigosa, uma vez que raramente os juízes dão a antecipação dos efeitos da tutela para um benefício, sendo que com este precedente será bem mais complicado conseguir uma antecipação dos efeitos da tutela, pois instaurará um medo nos juízes ao conceder a tutela e nos advogados ao pleitearem esta tutela e num segundo momento seus clientes serem compelidos a devolver todos os valores recebidos.
É tão absurda a decisão acima apontada, pois está retirando o livre convencimento do juiz que pode decidir se no caso cabe antecipar os efeitos da tutela ou não, que só é concedida ao segurado quando está claríssimo que tem o direito, além do fato de se estar diante de uma decisão interlocutória que pode ser modificada a qualquer tempo.
De outro lado, fica o segurado tolhido de seu direito de ação e mais do que isso de ter direito a um benefício que por muitas vezes necessita com rapidez, rapidez esta que não é garantida pela justiça brasileira em que a média de duração dos processos é de 10 a 15 anos. Além do mais, o segurado ou beneficiário que recebeu este benefício em caráter liminar utilizou-o para fazer frente as suas despesas diárias, deverá devolver este valor sem ser prejudicado com isso?
Diante de tal decisão ficará extremamente complicado pleitear uma tutela antecipada, bem como vê-la concedida, já que se instaurou uma total insegurança jurídica no sistema atual, sendo o principal prejudicado o segurado.
Frente a estas decisões deve-se pensar como se pode garantir um Estado Democrático de Direito se um dos órgãos de cúpula como o é o STJ, já que nem todas as ações vão para STF, uma vez que a matéria é restrita, vem decidindo de forma estranha aos princípios constitucionais como se vê acima com as recentes decisões acima colacionadas?
Parece que se deve buscar uma batalha ininterrupta dos advogados e defensores para fazer valer a Constituição Brasileira, para que os processos subam ao Supremo para uma decisão pautada em princípios pelos quais os brasileiros tanto lutaram para ver resguardados e que com decisões como as acima apontadas não estão sendo respeitados.

Carolina Sautchuk Patrício, advogada atuante na área de Direito Previdenciário, graduada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, especialista em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito, participou de inúmeros cursos e palestras com especialistas e mestres na área de previdenciário.

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