As
mudanças de entendimento do STJ em matéria de Direito Previdenciário
Atualmente,
vive-se uma fase complicada referente às decisões no âmbito do direito previdenciário
em vista da mudança de turma julgadora do STJ da matéria para a 1ª, pois as
decisões outrora em um determinado sentido vêm sendo modificadas e outras que
se aguardavam julgamento vieram, mas em total dissonância com a proteção social
que deve ser dada aos segurados no direito social que é o previdenciário.
Uma
delas foi à do ruído em que o STJ em março deste ano decidiu da seguinte forma:
para comprovação de atividade especial o segurado deve estar exposto ao nível
de ruído acima de 90 dB de 05/03/1997 até 18/11/2003 na vigência do Decreto nº
2172/97, sendo que após esta data admitiu-se a diminuição do nível de ruído para
enquadramento para acima de 85 dB. Outrora, antes desta decisão inusitada e
inesperada do STJ havia precedentes de uniformização no âmbito do Juizado
Especial Federal que entendia que mesmo na vigência do Decreto acima mencionado
poderia ser considerado o ruído acima de 85 dC para atividade especial, por ser
mais benéfico ao segurado, conforme súmula 32 com a seguinte redação: “O tempo de trabalho laborado com
exposição a ruído é considerado
especial, para fins de conversão em comum, nos seguintes níveis: superior a 80 decibéis, na vigência do Decreto
n. 53.831/64 e, a contar de 5 de março de
1997, superior a 85 decibéis, por
força da edição do
Decreto n. 4.882, de 18 de
novembro de 2003, quando a administração
pública que reconheceu e declarou a
nocividade à saúde
de tal índice de
ruído”(Precedentes: PEDILEF
200832007034908 e PEDILEF
200461840752319).
Para
melhor elucidar a questão debatida encontra-se abaixo a íntegra da ementa da
decisão citada:
PREVIDENCIÁRIO.
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ÍNDICE MÍNIMO DE RUÍDO A SER
CONSIDERADO PARA FINS DE CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. APLICAÇÃO
RETROATIVA DO ÍNDICE SUPERIOR A 85 DECIBÉIS PREVISTO NO DECRETO N. 4.882⁄2003.
IMPOSSIBILIDADE. TEMPUS REGIT ACTUM. INCIDÊNCIA DO ÍNDICE SUPERIOR A 90 DECIBÉIS
NA VIGÊNCIA DO DECRETO N. 2.172⁄97. ENTENDIMENTO DA TNU EM DESCOMPASSO COM A
JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR.
1. Incidente de uniformização de jurisprudência interposto pelo INSS contra
acórdão da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais que
fez incidir ao caso o novo texto do enunciado n. 32⁄TNU: O tempo de trabalho
laborado com exposição a ruído é considerado especial, para fins de conversão
em comum, nos seguintes níveis: superior a 80 decibéis, na vigência do Decreto n.
53.831⁄64 e, a contar de 5 de março de 1997, superior a 85 decibéis, por força
da edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, quando a
Administração Pública reconheceu e declarou a nocividade à saúde de tal índice
de ruído.
2. A contagem do tempo de trabalho de forma mais favorável àquele que esteve
submetido a condições prejudiciais à saúde deve obedecer a lei vigente na época
em que o trabalhador esteve exposto ao agente nocivo, no caso ruído. Assim, na
vigência do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, o nível de ruído a
caracterizar o direito à contagem do tempo de trabalho como especial deve ser
superior a 90 decibéis, só sendo admitida a redução para 85 decibéis após a
entrada em vigor do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003. Precedentes:
AgRg nos EREsp 1157707⁄RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial,
DJe 29⁄05⁄2013; AgRg no REsp 1326237⁄SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira
Turma, DJe 13⁄05⁄2013; REsp 1365898⁄RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma,
DJe 17⁄04⁄2013; AgRg no REsp 1263023⁄SC, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma,
DJe 24⁄05⁄2012; e AgRg no REsp 1146243⁄RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, DJe 12⁄03⁄2012.
3. Incidente de uniformização provido.
A
decisão do STJ está em total discordância com a proteção do trabalhador buscada
pelo direito social, uma vez que em tempos antigos o maquinário era mais obsoleto
e trazia mais riscos de exposição a ruídos a um índice maior do que nos tempos
mais atuais em que há maior proteção e tecnologia, todavia como o Decreto nº 53.831/64
anterior ao nº 2172/97 poderia estabelecer um nível inferior de ruído a este,
uma vez que a exposição pelas razões já apontadas deve ter sido superior.
Além
disso, a NR nº 15 em seu Anexo I já reconhecia que a exposição diária, isto é
por oito horas, deveria ser de 85dC, sendo que no mesmo anexo traz que para
ruídos de 90dC o trabalhador só pode ficar exposto por apenas 4 horas, o que é
muito raro já que o turno de trabalho em geral são de 8 hs diárias, como
estipula a Constituição e as leis do trabalho.
O
STJ em sua decisão considerou tão somente o aspecto legal dos Decretos, do tempus regit actus, deixando de observar
o que é mais importante no caso que é a saúde do trabalhador exposto a agentes
nocivos a saúde, bem como os outros tantos princípios protetivos do direito
previdenciário e social. Cabe dizer que o ruído é um dos grandes causadores do
percebimento do auxílio acidente, já que muitos trabalhadores e segurados que
laboraram em grandes indústrias na quase totalidade de sua vida laborativa
sofrem com a perda auditiva.
A
decisão acima está em total descompasso com o resguardo dos direitos sociais
perante aos princípios do Direito Previdenciário, que deve ser enfrentado à luz
da Constituição e não ficar engessado pela aplicação pura da lei, que é mais
prejudicial ao segurado.
No
mesmo sentido, cabe apresentar outra decisão que elucida claramente as decisões
divergentes do STJ ao sistema previdenciário como a acima tratada. Decisão esta
referente à devolução de valores recebidos a título de benefícios em tutela antecipatória,
a qual se transcreve abaixo:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO.
REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO
JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER
ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO
DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS.
1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da
Previdência Social devolver valores de benefício previdenciário recebidos por
força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada.
2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da
irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir
valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada.
3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações
Rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu
benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana
acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp
728.728⁄RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 9.5.2005.
4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos
indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o
caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu.
5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a "legítima
confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que
valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu
patrimônio" (AgRg no REsp 1.263.480⁄CE, Rel. Ministro Humberto Martins,
Segunda Turma, DJe 9.9.2011, grifei). Na mesma linha quanto à imposição de
devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp 40.007⁄SC,
Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.4.2012; EDcl nos
EDcl no REsp 1.241.909⁄SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma,
DJe 15.9.2011; AgRg no REsp 1.332.763⁄CE, Rel. Ministro Humberto Martins,
Segunda Turma, DJe 28.8.2012; AgRg no REsp 639.544⁄PR, Rel. Ministra Alderita
Ramos de Oliveira (Desembargador Convocada do TJ⁄PE), Sexta Turma, DJe
29.4.2013; AgRg no REsp 1.177.349⁄ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma,
DJe 1º.8.2012; AgRg no RMS 23.746⁄SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma,
DJe 14.3.2011.
6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do
art. 543-C do CPC, em situação na qual se debateu a devolução de valores pagos
por erro administrativo: "quando a Administração Pública interpreta
erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma
falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos,
impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor
público." (REsp 1.244.182⁄PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira
Seção, DJe 19.10.2012, grifei).
7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art.
273 do CPC) preenchem o requisito da boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o
segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária.
8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, inviável falar na percepção, pelo
segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não
havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação
irreversível da verba ao seu patrimônio.
9. Segundo o art. 3º da LINDB, "ninguém se escusa de cumprir a lei,
alegando que não a conhece", o que induz à premissa de que o caráter precário
das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do
CPC).
10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder
Judiciário desautorizar a reposição do principal ao Erário em situações como a
dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e
consigne descontos em folha pagando, além do principal, juros remuneratórios a
instituições financeiras.
11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e
considerando o dever do segurado de devolver os valores obtidos por força de
antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os
seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução de sentença
declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o
crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da
remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do
crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos
(art. 46, § 1º, da Lei 8.213⁄1991.
12. Recurso Especial provido."
Esta
decisão trazida à colação acima é extremamente perigosa, uma vez que raramente
os juízes dão a antecipação dos efeitos da tutela para um benefício, sendo que com
este precedente será bem mais complicado conseguir uma antecipação dos efeitos
da tutela, pois instaurará um medo nos juízes ao conceder a tutela e nos
advogados ao pleitearem esta tutela e num segundo momento seus clientes serem
compelidos a devolver todos os valores recebidos.
É
tão absurda a decisão acima apontada, pois está retirando o livre convencimento
do juiz que pode decidir se no caso cabe antecipar os efeitos da tutela ou não,
que só é concedida ao segurado quando está claríssimo que tem o direito, além
do fato de se estar diante de uma decisão interlocutória que pode ser
modificada a qualquer tempo.
De
outro lado, fica o segurado tolhido de seu direito de ação e mais do que isso
de ter direito a um benefício que por muitas vezes necessita com rapidez,
rapidez esta que não é garantida pela justiça brasileira em que a média de
duração dos processos é de 10 a 15 anos. Além do mais, o segurado ou
beneficiário que recebeu este benefício em caráter liminar utilizou-o para
fazer frente as suas despesas diárias, deverá devolver este valor sem ser
prejudicado com isso?
Diante
de tal decisão ficará extremamente complicado pleitear uma tutela antecipada,
bem como vê-la concedida, já que se instaurou uma total insegurança jurídica no
sistema atual, sendo o principal prejudicado o segurado.
Frente
a estas decisões deve-se pensar como se pode garantir um Estado Democrático de
Direito se um dos órgãos de cúpula como o é o STJ, já que nem todas as ações
vão para STF, uma vez que a matéria é restrita, vem decidindo de forma estranha
aos princípios constitucionais como se vê acima com as recentes decisões acima
colacionadas?
Parece
que se deve buscar uma batalha ininterrupta dos advogados e defensores para
fazer valer a Constituição Brasileira, para que os processos subam ao Supremo
para uma decisão pautada em princípios pelos quais os brasileiros tanto lutaram
para ver resguardados e que com decisões como as acima apontadas não estão
sendo respeitados.
Carolina Sautchuk Patrício, advogada
atuante na área de Direito Previdenciário, graduada pela Faculdade de Direito
de São Bernardo do Campo, especialista em Direito Previdenciário pela Escola
Paulista de Direito, participou de inúmeros cursos e palestras com especialistas
e mestres na área de previdenciário.